31.1.06

"Verdes são os campos" de Luís de Camões

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,

De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;

Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Luís de Camões

27.1.06

Adeus de Eugénio de Andrade

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquina
sem esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.

Acreditava, porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.
Eugénio de Andrade

25.1.06

"As vozes do mundo" de Fernando Pereira

“O vento que uiva há quem saiba escutar
O eco da chuva e um cão a ladrar
O som do relógio e o sino a dobrar
As vozes das fontes e a pedra a falar.

Na sombra dos tempos os velhos sabiam
Ouvir as vozes do mundo a falar
Onde o segredo é saber calar.

Na sombra dos tempos os velhos diziam
Tudo no mundo vivia a falar
Os homens, as pedras, o sol, o luar
Os bichos da terra e os peixes do mar.

E falam as vozes nas ondas do mar
O som das esferas de noite ao luar
As velhas quimeras que falam a sós
De Lá do outro mundo, no fundo de nós.”

Letra de Fernando Pereira
Álbum “Azuldesejos” – Romanças

24.1.06

ÍTACA de Constantin Cavafis

"Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado - nas os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria- nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.

Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!

Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:coral e madrepérola,
âmbar e marfim,e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes o quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto, para aprenderes com os que sabem muito.
Terás sempre Ítaca no teu espírito, que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha, rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora,
senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca."

Cavafy, Constantino. 1970. 90
Tradução de Jorge de Sena

16.1.06

QUEM MORRE? de Pablo Neruda

"Morre lentamentequem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamentequem destrói seu amor próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamentequem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajetos,
quem não muda de marca,
não se arrisca a vestir uma nova corou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamentequem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções,
justamente as que resgatam o brilho dos olhos e os corações aos tropeços.

Morre lentamentequem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho ou amor,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite, pelo menos uma vez na vida,
fugir dos conselhos sensatos... "
Pablo Neruda

13.1.06

Palco da Vida de Fernando Pessoa

"Você pode ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não se esqueça de que sua vida é a maior empresa do mundo. E você pode evitar que ela vá a falência.
Há muitas pessoas que precisam, admiram e torcem por você.
Gostaria que você sempre se lembrasse de que ser feliz não é ter um céu sem tempestade, caminhos sem acidentes, trabalhos semfadigas, relacionamentos sem desilusões.
Ser feliz é encontrar força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros.
Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso, mas reflectir sobre a tristeza.
Não é apenas comemorar o sucesso, mas aprender lições nos fracassos.
Não é apenas ter júbilo nos aplausos, mas encontrar alegria no anonimato.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis norecôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um "não".
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentrodecada um de nós.
É ter maturidade para falar "eu errei".
É ter ousadia para dizer "me perdoe".
É ter sensibilidade para expressar "eu preciso de você".
É ter capacidade de dizer "eu te amo".
É ter humildade da receptividade.
Desejo que a vida se torne um canteiro de oportunidades para você serfeliz...
E, quando você errar o caminho, recomece.
Pois assim você descobrirá que ser feliz não é ter uma vida perfeita.
Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância.
Usar as perdas para refinar a paciência.
Usar as falhas para lapidar o prazer.
Usar os obstáculos para abrir as janelas da inteligência.
Jamais desista de si mesmo.Jamais desista das pessoas que você ama.
Jamais desista de ser feliz, pois a vida é um obstáculo imperdível, ainda que se apresentem dezenas de factores a demonstrarem o contrário."
Fernando Pessoa